Na regulação das relações de trabalho, para além do que as partes individualmente acordam nos contratos de trabalho e do que é previsto com carácter geral na legislação laboral, em particular no Código do Trabalho, existem outras fontes de direito que podem ser directamente aplicáveis. No que respeita ao âmbito do presente artigo, interessa-nos abordar os instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho (“IRCT”) e, em particular, uma forma jurídica de alargar o respectivo âmbito de aplicação.

  1. O que são os IRCT?

Os IRCT são fontes específicas de direito do trabalho que podem ser negociais ou não negociais.

São IRCT negociais:

  • A convenção colectiva;
  • O acordo de adesão;
  • A decisão arbitral em processo de arbitragem voluntária.

Por sua vez, as convenções colectivas podem ser:

  • Contrato colectivo (quando a convenção é celebrada entre associação sindical e associação de empregadores);
  • Acordo colectivo (quando a convenção é celebrada associação sindical e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas);
  • Acordo de empresa (quando a convenção é celebrada entre associação sindical e um empregador para uma empresa ou estabelecimento).

São IRCT não negociais:

  • A Portaria de Extensão;
  • A Portaria de Condições de Trabalho;
  • A Decisão Arbitral em Processo de Arbitragem Obrigatória ou Necessária.

2. Para que servem os IRCT negociais?

Como já referimos, os IRCT são uma fonte de direito do trabalho sendo que, nos termos do Código do Trabalho (ver artigo 3.º do Código do Trabalho), as normas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por IRCT, salvo quando aquelas tenham natureza imperativa (o que sucede em matérias tais como as formas de cessação de contrato de trabalho, etc.). Estabelece ainda o Código do Trabalho que as normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por IRCT que, sem oposição de tais normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:

  • Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;
  • Protecção na parentalidade;
  • Trabalho de menores;
  • Trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
  • Trabalhador-estudante;
  • Dever de informação do empregador;
  • Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal;
  • Duração mínima dos períodos de repouso, incluíndo a duração mínima do período anual de férias;
  • Duração máxima do trabalho dos trabalhadores nocturnos;
  • Forma de cumprimento e garantias da retribuição, bem como pagamento de trabalho suplementar;
  • Capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
  • Transmissão de empresa ou estabelecimento;
  • Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.

Dado que na esmagadora maioria das situações os trabalhadores têm pouca margem para negociar individualmente as condições de trabalho no momento da celebração do contrato de trabalho (sendo que tipicamente é o empregador quem define as cláusulas deste contrato a que o trabalhador se limita a aderir mediante a respectiva assinatura), a negociação dos IRCT constitui a área onde tipicamente as estruturas de representação colectiva dos trabalhadores, em particular os sindicatos, conseguem em conjunto com os empregadores ou associações patronais negociar particulares condições de trabalho.

Normalmente, nos IRCT encontramos reguladas matérias tais como:

  • períodos normais de trabalho aplicáveis e regras de estabelecimento e alteração dos horários de trabalho;
  • Retribuições mínimas aplicáveis por categoria profissional;
  • Descrição das funções inerentes a cada categoria profissional;
  • Regras de progressão na carreira;
  • Regras de pagamento de trabalho suplementar;
  • Prémios e outras prestações patrimoniais devidas as trabalhadores por prestação de trabalho em condições particulares tais como subsídios de turno, subsídios de falhas de caixa, de transporte, de alimentação, entre outros;
  • Diuturnidades (uma prestação patrimonial normalmente calculada tendo por referência a antiguidade do trabalhador numa determinada categoria profissional).

3. A quem são aplicáveis os IRCT negociais?

Tal como resulta da descrição dos diversos tipos de IRCT negociais, o seu âmbito de aplicação é variável, desde logo a uma empresa específica ou a um conjunto de empresas representadas por uma determinada associação de empregadores. Dadas as características do tecido empresarial português, são poucos os acordos de empresa em vigor (normalmente restritos às empresas de muito grande dimensão, tais como bancos e seguradoras), sendo que a maioria dos IRCT em vigor em Portugal são contratos colectivos.

No que respeita ao respectivo âmbito de aplicação, vigora em Portugal uma regra fundamental, e que se traduz no chamado princípio da dupla filiação. 

Assim, de acordo com o artigo 496.º do Código do Trabalho, a convenção colectiva apenas obriga o empregador que a subscreva ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.

Partindo de um exemplo prático, imaginemos as seguintes situações:

  • A associação de empregadores x celebrou com a associação sindical y um contrato colectivo. Abel é sindicalizado na associação sindical y mas a empresa para quem trabalho, a José Maria, Lda. não é associada no associação de empregadores x. Neste caso, e de acordo com a regra da dupla filiação acima indicada, a convenção colectiva não será aplicável à relação laboral existente entre Abel e a José Maria, Lda.
  • Partindo de situação idêntica, mas agora a José Maria Lda. é associada da associação de empregadores x mas Abel não é sindicalizado na associação sindical y. Neste caso, a convenção colectiva também não será aplicável.    

A aplicação prática desta regra pode gerar situações complicadas, quer em termos de concorrência entre empresas (empresas que estejam ou não associadas a uma determinada associação de empregadores estarão obrigadas a cumprir com regras laborais distintas), assim como a situações de tratamento diferenciado entre trabalhadores, dependendo se estes se encontram ou não sindicalizados.

É precisamente para procurar solucionar este tipo de situações que servem as Portarias de Extensão, como veremos de seguida.

4. O que são, então, as Portarias de Extensão?

As Portarias de Extensão são, assim, uma forma de por via de determinação do Governo o âmbito de aplicação de uma determinada convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor poder ser aplicada, no todo ou em parte, a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.

Vamos imaginar o seguinte cenário. A empresa José Maria, Lda. opera no sector da construção e não é associada em qualquer associação de empregadores. A associação de empregadores x, que representa empregadores do sector da construção, negoceia um contrato colectivo com a associação sindical y. Uma vez que a empresa José Maria, Lda. não é associada na referida associação de empregadores, tal contrato colectivo não será aplicável às relações laborais mantidas entre a José Maria, Lda. e os trabalhadores ao seu serviço (ainda que sindicalizados na associação sindical y). O Governo pode decidir emitir uma Portaria de Extensão que alargue o âmbito de aplicação de tal contrato colectivo a empregadores não associados na associação de empregadores x e, em tal caso, a José Maria, Lda. passaria a estar obrigada a aplicar tal contrato colectivo às relações de trabalho mantidas com os trabalhadores ao seu serviço. Podendo também suceder o inverso, isto é, ser determinada por via da Portaria de Extensão a aplicação da convenção colectiva a trabalhadores não sindicalizados na associação sindical y.

5. Como saber se existe algum IRCT aplicável ao meu contrato de trabalho?

Actualmente, ao abrigo do dever de informação previsto no artigo 106, n.º 3, alínea l), o empregador encontra-se obrigado a informar o trabalhador sobre o IRCT aplicável se este existir. A violação de tal dever constitui contra-ordenação grave.

Assim, poderá desde logo solicitar esta informação ao seu empregador, contactando para o efeito o responsável pelos Recursos Humanos da empresa.

Caso tal informação não lhe seja disponibilizada pelo empregador, poderá dirigir-se à Autoridade para as Condições do Trabalho e solicitar esta informação.

No caso de ser sindicalizado, também poderá procurar obter esta informação junto da sua associação sindical.

A este respeito, salientamos que os IRCT são objecto de publicação no Boletim do Trabalho e Emprego (“BTE”), que poderá consultar aqui. Também poderá tentar apurar se existe algum IRCT aplicável através do CAE da empresa aqui.

As Portarias de Extensão também são objecto de publicação obrigatória no Diário da República e no BTE.

6. Conclusão

Ainda que não seja sindicalizado, poderá ser aplicável à sua relação de trabalho um IRCT por via de uma Portaria de Extensão. Seja por ignorância, seja por tentativa de se furtar ao pagamento de prestações pecuniárias previstas em IRCT, existem muitos empregadores que não os aplicam. É, assim, para efeitos de exercer os seus direitos enquanto trabalhador, essencial apurar se existe algum IRCRT aplicável à sua relação de trabalho, sendo que se tal se verificar, terá toda a legitimidade para reclamar a sua aplicação, nomeadamente no que respeita ao pagamento de prestações pecuniárias ali previstas ou outras condições de trabalho (poderá suceder, por exemplo, que o IRCT preveja um período normal de trabalho inferior ao que está a ser aplicado na sua empresa).

Recordamos que na pendência do contrato de trabalho os valores que sejam devidos pelo empregador não prescrevem (a prescrição dos créditos laborais apenas ocorre decorrido um ano sobre o dia seguinte à data da cessação do contrato de trabalho), pelo que, ainda que o incumprimento das regras previstas em IRCT pelo empregador ocorra há vários anos, ainda poderá estar a tempo de reclamar o pagamento de montantes que eventualmente lhe sejam devidos.